sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Estação

Ele andou solto no Inverno. Cruzava a Hercílio Luz sob a chuva na madrugada. Só, revirava a rua e depois dormia sob os bancos pintados por um fantasma que saía de casa mais tarde. Neste primeiro dia de Verão, ali estava ele, sobre a faixa de segurança na Hercílio, enfeitado com uma gravata vermelha e branca, o pelo escovado, um pouco triste. Adiante seguia uma mulher, que o conduzia por uma guia de pouco mais de um metro. Perdemos o cão vadio que pulava nas pernas dos estudantes do Instituto? Ou ele está apenas aproveitando o período de férias, pois que na casa em que ela mora com certeza tem um grande aparelho de ar condicionado...?

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O fim dos partidos não é o fim da Política


Há clara distinções na Política dos partidos na República. Talvez não as haja em pessoas nos partidos hegemônicos nesta capitania. Foi o que pensei ao ver a fotografia de James Tavares de 19/12/2012 em que o sorridente governador Raimundo (PSD) contempla o seu vice Pinho Moreira (PMDB) apertar a mão de Ponticelli (PP) sob os bigodes de Titon (PMDB) após o acerto de contas sobre a presidência da Mesa da Assembleia Legislativa de Santa Catarina. 
Dentre os princípios que norteiam o PSD estão "o respeito aos cidadãos pagadores de impostos", a "reforma trabalhista" e o "direito à propriedade". Ressalto do PMDB: "As empresas, estatais ou privadas, devem pautar suas estratégias de produção e gestão levando em conta o interesse público. As grandes concentrações de poder econômico devem estar sujeitas a um permanente controle democrático". O PP defende um "sistema econômico livre, que favoreça a prática das regras de mercado, mas que tenha como objetivo maior o bem-estar dos brasileiros e a eliminação das desigualdades". Marque com um "x" a alternativa destoante e continue lendo.
Há claras diferenças entre os partidos políticos de que trata a imagem. Mas todos são base do governo de Dilma Roussef (PT, ex-PDT). Parece o samba do crioulo doido. Mas não é. É um poema, em que Raimundo amava o poder, Pinho também amava o poder, Ponticelli, idem, e Titon, também. E Dilma, onde entra? Não entra, ela não concorda ou discorda dessa história ou do fim que ela terá. Por quê? Porque, no fundo, ela é a Presidenta da República e quanto mais apoio, melhor, o que Raimundo repete na sua capitania.
Então vejamos que as claras distinções da Política dos partidos não se verifica no mundo real. É nos livros. Eles dizem que a tradição da Política dos partidos está nas visões de Estado, a quem ele serve e atende em primeiro grau, e como trata as disfunções provocadas pelos poderosos alienígenas com sobrenome Mercado.
Não há como limpar a política e diferenciá-la da Política nos partidos porque para tanto é necessário mais do que aquilo que o senso comum considera “ético”. Para que a Política dos partidos seja executada, é necessário princípio. Princípio é alguma coisa pétrea, imutável. Portanto, é algo incomum aos seres dessa política que rasteja pelo poder.
Princípio é lutar nos campos abertos das desigualdades assumidas. E, acima de tudo, perder e não fazer acordo. E também vencer sem fazê-lo. O acordo parece benéfico na primeira olhada. Todos saem com alguma coisa que pretendiam. E escondem o que mais era necessário para a boa Política: o princípio. Porém o todo de que tratamos é ninguém. É apenas uma figura de linguagem que a política (aquela que rasteja) utiliza para fazer o Todo pensar que foi bom enquanto durou e para não saber o quanto foi ruim.
Os partidos estão decretando a descrença sobre a existência de princípios na Política. É preciso que encontremos, urgentemente, políticos com princípios, para que tenhamos partidos com a mesma potencialidade. Ou vamos continuar numa crescente, em que partidos políticos não se atrevem a lutar em campo aberto, lugar que expõem seus princípios e, portanto, as suas diferenças. Da forma com que andamos, o poder é a única solução para os ajuntamentos de pessoas sob siglas que falseiam partidos.
Mas, e os princípios da Política? Bom, isso é para os livros e, mais atualmente, para a Wikipédia.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Preço

No livre mercado das coisas, há preço para tudo. Uma hora o feijão custa mais; outra hora, o da margarina  despenca. Por menos que possamos notar, no livre mercado das coisas, até coisa que não é coisa tem preço. Assim é o tempo e o trabalho do trabalhador, que são partes integrantes da vida de um ser nesse lugar em que tudo tem preço. Mas aqui também se vende nada a um preço que ninguém sabe de onde vem. Exemplos de nada com preço há muitos. Vou dizer apenas um: vaga de estacionamento. Para aumentar o desentendimento e a confusão de como funciona tudo isso, basta olhar a placa para ver que a coisa que não existe é parte de uma propriedade privada em liquidação! Dado o valor e usado o tempo, vai-se embora sem quase nada, porque no bolso o cidadão leva apenas o tíquete do estacionamento. Guardará pela eternidade aquela lembrança, de que algo foi pago, e sem saber ao certo quem lhe deu aquele valor, deverá ficar preocupado. Se agora tem tal preço com desconto, quanto valerá fora da liquidação?

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Uma face da vida morta


"Procuro a palavra fóssil.
A palavra antes da palavra." Do poema Procuro a Palavra Palavra de Lindolf Bell

Lindolf Bell morreu há 14 anos, num 10 de dezembro, em Blumenau.

Quando Herbert Marcuse escreveu Eros e a Civilização, Lindolf Bell completava 17 anos de idade. É muito provável que na Escola de Arte Dramática o poeta de Timbó tenha feito contato com o pensamento marxiano existente em Sigmund Freud e Marcuse. Com certeza, leu Theodor Adorno e Walter Benjamin, indispensáveis para o olhar crítico da sociedade ocidental a partir do século XX.

A Casa do Poeta em Timbó
A poesia de Bell não é apenas poética no sentido de que provoca uma emoção. Friamente, é uma permanente proposta de completa paralaxe, em que o observador e o ponto observado se movem constantemente, e portanto nunca são as mesmas coisas. A poesia de Bell não é fragmento ou retrato do seu eu interior que busca vazão e expressão num mundo esfacelado.

A proposta do autor Lindolf Bell é a do reencontro com um novo encantamento produzido pela ideologia acima de partidos, porém libertadora. Ao procurar a palavra antes da palavra, Bell entoa o canto de Marcuse, que afirma, em sua extensa obra sempre revolucionária – ele é apontado como o autor incendiário que levou os estudantes franceses para as barricadas e para os confrontos com o Estado no final dos anos da década de 1960 – que somente a poesia é revolucionária, porque é na poesia que usamos palavras velhas e gastas com novos sentidos, os sentidos de uma Humanidade liberta e sempre em ebulição.

Se não se propusesse à revolução pela poesia (conteúdo e forma, expressa pela atitude frente ao mundo da Catequese Poética – sair, dizer nas praças agitadas e nas ruas, nas fábricas, ir ao povo em lugar das silenciosas bibliotecas), Lindolf não teria preferências pelo caminhar. Poetas consagrados podem muito bem escrever do alto das montanhas ou do fundo dos vales, mas só quem tem compromisso com o novo Homem vai para a rua. Ou Pablo Neruda, ao lado de Garcia Lorca, não teria se perfilado com os combatentes da tirania na Espanha.

A palavra antes da palavra é busca de todas as coisas que possam ser traduzidos para o homem pela poesia. A primeira delas pode ser um sentimento. Desde que ele se revele inquietação transformadora. Ou Lindolf Bell não teria nascido em Timbó e morado em uma garagem em São Paulo.
(Esse artigo foi publicado no Café Impresso, de Timbó, na semana que antecede a morte de Bell com algumas pequenas modificações)