quarta-feira, 19 de junho de 2013

Desperta um!

Nos encontraremos, ao fim desta história, lado a lado, suportando o laço que sempre esborrifou o sangue de nossas costas? Ou correrás de volta para a tua toca quando outros oferecerem a própria vida em troca da tua liberdade?
...
Quantas palavras inúteis...
E com elas, cada coisa vejo nestes dias - de patíbulos à sanha de carrascos!
Estes Tenebrosos espreitam em sombras, falsos,
Mas sempre roçando dedos anelados e roliços sobre estômagos empanturrados;
Afiam dentes e atiçam a rebeldia,
para em seguida rapinar a próxima vítima: você!
Você que tem medo do escuro - porque lhe falta luz!
Você que tem medo da luz - porque lhe falta escuro!
Você que nunca teme avançar - porque nunca foi obrigado a recuar um passo!
Você que sabe - porque nunca duvidou que sabe!
Você que agora determinou que a História está definitivamente morta porque a única história que sabe começa no dia em que nasceu!

Esses Tenebrosos espreitam, capitulados por um sonho;
Mas mesmo que neguem, disfarçados, são eles os mesmos
Tenebrosos destronados de 500 anos aqui;
Tenebrosos que hoje esculpem o Velho Continente de fome e medo;
Tenebrosos que impõem, para que nada percam, a escravidão moderna enquanto vomitam raiva, ódio e a mais terrível das mortes àqueles que sempre defenderam uma Humanidade igual e fraterna;
Tenebrosos que açoitam o povo ao som de cantilenas fantasiosas
enquanto recitam hinos sobre uma liberdade que sempre lhes pertenceu, garantida a ferro e fogo.
...
Um passo à frente, dois passos atrás.
Um olho fechado, o outro aberto...
....
Quantas palavras inúteis! Quanto ódio à Filosofia e a Platão! Quanto ódio!
..
Em minha bandeira, tingida com sangue da História,
Pulsa eterno lamento de dor;
E este grito lancinante resiste secularmente subjugado pelos dedos anelados de um senhor!
E alguns de nós, obcecados por uma certa 'modernidade', negam ferreamente a nossa condição
Porque acreditam que sobem mais um degrau e se igualam em condição ao Tenebroso senhor!

Ficaremos aqui, tateando nessa imensa Casa de Ferro, buscando mais um que desperta para a terrível tarefa de outro despertar.
Só assim se romperá a parede erguida por esse Tenebroso senhor!

Nos encontraremos, ao fim desta história, lado a lado, suportando o laço que sempre esborrifou o sangue de nossas costas? Ou correrás de volta para a tua toca quando outros oferecerem a própria vida em troca da tua liberdade?

sábado, 15 de junho de 2013

Teu Deus

Com carinho, para Hilda Hilst


Aonde tuas mãos que arregaçavam minh'alma na prece antiga, e se explodia, e se implodia, ordinária virtuosidade, proibidas rugosidades na Casa do Sol; aonde minhas mãos que arrancavam teus úteros e os mostravam uivando à lua escondida atrás das nuvens; aonde a arte que nasce do vento e se molha com saliva por mamilos e pelos, e curvas, e se esvai sem que se possa contar segundos que eram milênios - eram apenas isso: milênios + segundos + minutos + horas sem nada; e esse arremesso inexistente de som, gemido, temido por tão perto do despenhadeiro que não há mais como recuar, sem pensamento, sem vida, inerte ali, sobre o ventre, derradeiro sentimento que fecha os olhos e, com a morte, desobriga meu eu de sentir e só rejeitar esse som-agulha da passarada chegando o dia; essas virtudes espalhadas sobre a pele, inexistentes, gozadas apenas, e esquecidas; as pernas amortecidas e o quadril danificado e o coração parado e o ventilador ligado aparando e empurrando a fria aragem do corpo que, envolto em neblina, dispersa-se para além da janela; aonde tuas mãos que arregaçavam minh'alma inexistente; e se existia, confusa; aonde meus prolongados e elásticos dedos que arrancavam teus úteros enquanto uivavas para os céus; foi-se, morta, pedido o perdão para o ingresso no Paraíso, lugar em que as virtuosidades se escondem na próxima esquina, no Inferno do teu Deus!, ah!, arregaça a tua alma e me permita a lama, e põe luz em tua idade enquanto eu sigo, perdido na casa do vento, procurando mãos que toquem minha antiga e proibida e ordinária existência desde a janela da Casa do Sol.

As nossas melhores fotos

As nossas melhores fotos não são atuais. As nossas melhores fotos já têm um tempo. As nossas melhores fotos escondem essa atualidade que somos. Acreditamos que nas nossas melhores fotos éramos melhores. Ah!, nas nossas melhores fotos éramos mais bonitos e inteligentes, éramos sem medo e orgulhosos; éramos o que nunca fomos. São apenas as nossas melhores fotos, mas porque são as nossas melhores fotos precisamos acreditar que já fomos melhores. Rasgarei as minhas melhores fotos: são apenas imagens de alguém que já mudou de endereço e deixou aqui a melhor foto para um estranho.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Meu pai disse

Meu pai disse pra eu ir embora porque a hora havia chegado
meu pai disse
eu saí de casa
porque meu pai disse

meu pai disse pra eu ser homem
meu pai disse
até hoje estou pensando o que meu pai quis dizer
eu saí de casa
porque meu pai disse

meu pai disse pra eu ser um sujeito bem sucedido
meu pai disse
li, aprendi, e no trabalho me fui fazendo e recolhendo alguma consciência - proletário
eu saí de casa
porque meu pai disse

meu pai disse pra eu olhar as coisas que mais importavam
meu pai disse
olhei o pobre, o operário, o desempregado, as dores do sistema sobre os trabalhadores e com essas coisas fiz poemas seguindo Herbert Marcuse
e saí de casa
porque meu pai disse

meu pai disse que num confronto sobrevive quem olha de lado
meu pai disse
com os punhos cerrados na Rua da Praia, enfrentando a cavalaria brigadiana com rolhas e bolas de gude nos bolsos nos anos de 1980
e saí de casa
porque meu pai disse

quando voltei
meu pai disse que eu virei um homem
meu pai disse
e eu saí de casa
porque meu pai disse

(obrigado, pai!)

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Tempo

mostre gargantadorentranhas/conte com mínimos detalhes caminhos nunca vistos/filmes perdidos por qualquer motivo/ria com silêncio/do silêncio nasça todos os minutos/reconstrução/ande sobre o riacho submetido ao eterno silêncio na  Hercílio/caminhe caminhando/caminhe sem caminhar/olhe apenas/já há grande mundo ao se olhar/esqueça palavras que não dizem/troque palavras de lugar/acorde no meio da noite para ouvir o vento/durma durante o dia para fazer nada com o tempo/permita-se revolucionar com  areiacéuemar/feche os olhos/abra-se/abra os olhos para se inquietar/beije para esquecer/esqueça para lembrar