quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Quinta-feira

cansei de mim
segredo que fala
me ausentei de mim
sonâmbulo que sonha
Homem de trabalho recheado

sinopse
sinopses
metafórico
resultado cruel
úmido e seco
aragem
nuvem espessa
raio-trovão-silêncio
silêncios

atrás da porta
lendo gibis
que não se calam
histórias
inventadas

inventado

pesado e leve
embrenhado
escondido
ser humano
lúmpen
miserável

que emprega o corpo, vende-o, e o resultado de suas almas, neuroses, psicoses, letras que saltam da garganta em plena madrugada desfazem a realidade; sísifo: dizer a toda hora, dizer sempre, repetir, reafirmar, acordar que dói, casa de ferro, ferro na garganta, trespassada, sem sangue, muda e inquieta. atrás da porta lendo gibis enquanto os outros riem lá fora, no sol, na chuva, eu dentro de mim, lendo, lendo, relendo, e regurgitando e engolindo o vômito

cansado de mim

parei
estacionei
saí numa tarde de sol e vento, quando os cupins anunciam o fim do Inverno e esburacam os buracos;
andei sem caminhar
caminhei
doeram-me os olhos
músculos
garganta
e os sapatos
entupi-me de almoços: vento e sol

encontrei Glória na livraria
com George Orwell
(Como Morrem os Pobres e Outros Ensaios)
e Andrew Keen
(#vertigem - por que as redes sociais estão nos dividindo, diminuindo e desorientando)
bebemos café até a embriaguez
fumamos na praça
observando marginais
prostitutas
pirados

voltei
homem-trabalho
a Hercílio se agasalhava do vento
os pardais se agasalhavam do frio
todos os outros seguiam para casa para se agasalhar do frio

voltei ao começo e a chave rodou na fechadura da porta de ferro

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Um varal literário

Um varal literário é como um prato de sopa no Inverno; sol no Verão; água salgada no Mar; um varal literário é também plena expiação, exposta ao Universo, pois que agora podem nos ver e mexericar sobre nossas vidas com olhos que navegam acima da estratosfera. Um varal literário é letra morta e letra viva, maçaroca que não se explica, sem fim, começo ou nada; tudo pode ser um varal literário. Mas é uma corda viva, pensamentos ligados e desligados com a maléfica intenção de obrigar o sujeito a se curvar e, em se curvando, olhar-se, olhar para dentro, ver-se como é fora, portanto, e explorá-lo ao ponto de torná-lo outro com o mesmo nome, endereço e CPF. Um varal literário provoca para que sejamos operários, mães e filhos de outras mães; que sejamos ali, diante da corda, aquele semblante esquálido que se escora nos muros de nossas cidades sem pedir nada, mas que sabemos, quer tudo: um beijo. Um varal literário tem vida própria e sangue próprio. Um varal literário não é apenas um varal literário, pois veja como se arca com o peso de tantas letras, de tantas coisas boas e más ditas, de tantos anos somados de tantos autores. Um varal literário não é um varal literário. É apenas um nome e um sobrenome com endereço incerto e sem CPF. É um ser esquisito, moderno e antigo, que se dá ao parto em cada lugar que se instala, e em parindo-se, pare outros em nós. (Estaremos, eu e esse texto, no varal literário do 9º Encontro da Experiência do SINJUSC)

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Pedal no poste!

O pingo pingou em chuva e a janela estava aberta e na sala o gato bocejava sobre o sofá. O ciclista empurrou a bicicleta montanha acima numa tarde e atravessou a nuvem e com ela se misturou. O pingou passou pelo ciclista e pingou em chuva e dissolveu o sangue que ficou misturado com a areia na beira do caminho. O pingo atravessou o ciclista. O ciclista atravessou a nuvem e com ela se misturou depois de morrer na beira do caminho. Nunca mais chegará a outro destino. A bicicleta, pedalava no acostamento. Ela ficou ali, retorcida como o corpo do ciclista. Ele morreu. A bicicleta morreu. Morreu o ar que estava em seus pulmões e os pés que faziam ranger os pedais, correia, pneus e aros. Florianópolis se transforma em um grande cemitério; fantasmas nos postes e seres que atravessam nuvens e por elas são atravessados! Não muito distante, veremos magníficos anúncios publicitários: venham ao circo dos horrores, trafeguem em seus carros mais do que velozes e descontrolados apreciando infinitos postes recheados de bicicletas fantasmas. Ilha. Afoga-se no sangue dos pedais! Partiu mais um, partido por um motor, lata, plástico e ferro e exigente de mais espaço! Foi no acostamento. Ali ficou o pedal. O pedaleiro será pendurado no poste, como um crucifixo. (Veja a notícia)