quarta-feira, 27 de maio de 2015

Chuva

jogaram água na Hercílio ao ponto de poças enfileirarem-se em riachos e a mulher de cabelos amarelos espirrar gotas e mais gotas para todos os lados e para as pernas de suas calças brancas enquanto caminha. já não tem mais quem dê conta de folhas caídas com os ventos e com as chuvas, e os as bocas-de-lobo estão encobertas com uma pasta de lodo e folhas, e a mulher do mercado da esquina já não dorme tão tranquila, mesmo fechando a entrada de vidro com  uma parede de aço de um metro de altura, presa a dois vergalhões para suportar o peso da água do rio assim que ele sair do leito e vazar pela avenida. de cima do paredão preparam-se câmeras para registrar os efeitos de tanta água. esperam enquanto cozinham macarrão e bebem café frio, torcendo para que a chuva encha as garagens e proporcione chocantes imagens. por enquanto, os olhares mais frios se voltam para as trabalhadoras da Comcap, que não dão conta de manter a avenida bem limpinha e os bueiros abertos com suas pesadas vassouras e seus carrinhos sempre cheios do lixo que os transeuntes deixam pelo caminho. no fim do dia, elas tomam uma aspirina e sentam em ônibus lotados para voltar para casa, onde encaixam as vassouras de palhas nas mãos e as sentem leves como pluma. por certo depois sonham com a cidade e que amanhã tudo o que retiraram das ruas estará de novo lá, como um castigo.