Planejei deixar histórias e poemas, como Victor Jara, como Edgar Allan Poe, como Janis Joplin. Ninguém, ou quase ninguém, sabe quem são as pessoas atrás desses nomes. Restos de outro século, outro milênio, em que havia sentido no sentimento; agora, querem saber a marca do meu sapato, se uso gravata, se meu perfume vem da França ou do Paraguai; querem saber o bairro em que moro e a marca do meu carro; as ações em que invisto, a quantidade de cursos que fiz para nada saber, mas que me definem como um perfil moderno e interessado na ideia de que os horizontes devem ser sempre ampliados. Sonhei deixar sentimento em algumas palavras, e silenciar diante do que não sinto. O mundo mudou. As pessoas, também. As livrarias estão vazias e as lojas de roupas da moda, entupidas. Estão vazios os debates, e as igrejas, cheias. As pessoas não vão mais a passeatas e protestos; enfileiram-se nos caixas das praças de alimentação dos grandes prédios onde centenas de lojas oferecem quinquilharias. Sonhei poemas, histórias, versos. Vou levá-los comigo, do mesmo jeito que levo Jara, Poe e Janis.