Madrugadas e ventanias. Fadas e ruídos. Incômodos zumbidos. Palavras em livros. Vida nas palavras.
sábado, 17 de dezembro de 2011
Pedrinhas no feijão
Enquanto separava feijões das pedrinhas que sempre os acompanham, mesmo nas melhores marcas, pensei em Mari. Ela era parente-empregada de uma conhecida. A conhecida era mulher de João, que havia sido, por mais de 40 anos, trabalhador na Sadia. O seu turno começava na madrugada e ele trabalhava na fábrica de sabão. A rima, pobre, é efeito da realidade. Ele acordava antes do sol e entrava na fábrica, e só saía quando o sol cutucava a noite. O trabalho de João não o deixou triste. Ele era filho de caboclo do Contestado; comia carne quando caçava, e dançava sobre o chão batido quando algum vizinho distante chamava a todos para um arrasta-pé de levantar poeira, e tocava rabecão, feito com linhas de pesca e um pau trabalhado com canivete. João lembrava dessas coisas, de quando corria pelos matos do Irani, e de quando passava a vida mexendo a gigantesca colher da pau na fábrica de sabão em Concórdia. João elogiava o feijão que Mari preparava para ele e para todos que eram da sua casa, e para os que chegavam espertamente perto do meio-dia. Agora, quando separo o feijão das pedrinhas, lembro da Mari, que me faz lembrar de João, e que ele cresceu solto no Irani, foi operário, e se escondeu em um toco oco pra não ver as diabruras de um dos monges João Maria.