Taísa Silveira é uma jornalista baiana de 26 anos de idade, formada há um ano pela Universidade Federal da Bahia. Negra, participa do movimento Maria Preta. Ela mora em um bairro de classe média alta de brancos em Salvador. Estava no III BlogProg para cobrir uma das oficinas na tarde de sábado, 26 de maio.
Ela estava sentada na última fila de cadeiras do auditório do evento minutos antes de iniciar a audiência pública da Câmara Federal, sobre o Marco Civil da Internet. Falava ao telefone coisas que não prestei nenhuma atenção. Até que ela disse: "...ele quer branquear a família".
Assim que ela desligou o telefone, comecei uma conversa. Aquelas perguntas iniciais de aproximação. Foram muitas perguntas e ela questionou se eu a estava entrevistando. Confirmei.
A conversa prosseguiu com menos interrogações. Taísa trabalha em dois empregos - se é que pode ser assim, uma vez que não tem carteira assinada. Ela não vê a blogosfera como uma oportunidade de trabalho. Tem um blog - www.peloviesdajanela.blogspot.com.br -, que atualiza eventualmente. Juntando o que ganha nos trabalhos, não chega ao salário mínimo do DIEESE.
A primeira conversa encerrou quando iniciou a oficina da tarde (ah, sim, ela confundiu os horários e esperava ver Paulo Henrique Amorim, que tinha passado por aquele auditório do Hotel Sol Bahia pela manhã). No dia seguinte, nos encontramos no mesmo fundo de auditório. Já de largada, perguntei: Você é racista? Tive a impressão de que levou um susto. Sou um branco do Sul do Brasil perguntando a uma negra do Nordeste se discrimina as pessoas pela cor da pele. Passados alguns instantes de um certo estranhamento, Taísa respondeu que não é racista e contou um fato vivido por ela na piscina do condomínio onde mora.
A jornalista disse estava na piscina quando uma moradora se aproximou e perguntou se a temperatura da água estava boa. Taísa respondeu. A moradora então foi se queixar para a síndica, mulher branca, que havia uma empregada na piscina. "Assim, sem mais nem menos, sem perguntar quem eu era. Concluiu, porque sou negra, que era empregada de alguém do condomínio".
A síndica, branca, é a mãe de Taísa.
Disse a ela que estava confuso e pedi que explicasse a frase dita no dia anterior sobre o branqueamento da família. Deu um sorriso. Pensou um pouco. Primeiro, advertiu que é feio ouvir conversa dos outros ao telefone. Pergunto aos leitores se conversas particulares ditas em espaço público devem não serem ouvidas. Às vezes, quem fala ao celular não percebe que também é ouvido por outras pessoas. Foi o que aconteceu. De toda sorte, vale o debate. Acho que sigilo é dever de quem fala. O ouvinte, impactado por uma comunicação, não tem a obrigação de esquecer o que ouviu. No caso, não esqueci e resolvi descobrir o motivo da fala.
Veja: sou blogueiro, mas sou limpinho! Já, por aí, se passarmos em revista o mundo do PIG (Partido da Imprensa Golpista), vamos achar cada coisa para se obter uma informação...!
Continuo. Taísa disse que a fala não era dela (para não comprometê-la, omitirei de quem seja. Revelo apenas que é de uma mãe, negra, moradora de Salvador). Disse que repetiu a frase em tom de ironia, pois a autora afirmou preferir um casamento de negro com branco para "branquear" a família. Taísa definiu: coisas assim são normais, pelo entendimento de que o negro sai de uma posição inferior e passa para outro "estágio"; ocorre uma "ascensão
social"; há, enfim, uma aceitação daquele que até então estava excluído por conta da cor da pele.
Matutei. Um país predominantemente negro/mulato/pardo/índio/bugre, enfim, de menos brancos, vê a minoria, historicamente colonizadora e opressora, como fator de ascensão. E ele, no caso o negro, como o eterno estranho/estrangeiro. Pensei: no Brasil, somos todos estrangeiros. O que deve diferenciar a existência de um mais e de outro menos é a cor da pele?
Os índios, escravos no Brasil, não são e não eram negros! E a história nos conta que muitos brancos também foram escravos em muitos lugares. A questão central, me parece, é a de que o escravo sempre foi "um estrangeiro". Entre nós, talvez a especificidade venha então do lugar de origem. Os negros afro-brasileiros continuam sendo estrangeiros? E os brancos europeus-brasileiros?
A conversa com Taísa foi um acaso, mas me fez viver o livro que estava lendo quando viajei para a Bahia e cuja leitura deixei inconclusa, A História da Escravidão, de Olivier Pétré-Grenouilleau.