Manhã de ruídos. O operário está sobre o madeirame do telhado da velha construção ao lado da minha janela. As marteladas impedirão a chuva de entrar. Agora não recita seus verbetes. Só os lembra depois que o sol se põe. Fala com deuses e homens. Fala de si para o Nada. Os carros ultrapassam o vento na Mauro Ramos. Dormiram acomodados em planejados compartimentos sob prédios e ao lado das casas. Na esquina, o viciado torra ao sol desta quinta-feira. Não consegue mais falar para dentro. Não encontra o caminho de casa. Então flutua, empurrado pelos ruídos da cidade. Moverá braços e pernas, como uma marionete, quando os pardais revoarem sobre a frondosa árvore da Hercílio. Abrirá os olhos para observar a tristeza do operário que enlouquece ao anoitecer, o silêncio dos carros estacionados, as luzes acesas no empilhado de apartamentos do paredão, as multidões que se desfazem nas portas dos ônibus e cada um, entorpecido pelo trabalho, drogar-se com o sonho de uma vida diferente amanhã, modificada magicamente.