quarta-feira, 8 de julho de 2015

Temporal

vomitou manteiga ao deslizar dez dedos compridos e finos e frios e quase transparentes sobre a pele abdominal embrulhada em frisos e mais frisos de tempos passados - os que ainda virão pronunciam salientes cordames no pescoço.

inchado de manteiga abatumada no esôfago e vômito engolido nas golfadas de ar que buscava vida enfia os dedos severamente por entre os lábios da mulher e os torce como uma tenaz de uma lado a outro da boca, cutucando razoavelmente as paredes úmidas das bochechas, de onde vaza um líquido marrom.

olha catatônico e resfolegando, a traqueia trancada por uma cola de cuspe, manteiga e catarro, e ao cair, os dedos dobram e entalam na garganta de Isabel, e ela esperneia a falta de ar enquanto uma mortalha de fagulhas ilumina as pupilas profundamente azuis.

um cão pulguento rasteja e adormece ao lado dos corpos, lambendo as feridas.

Foto André Kertész (1894 - 1985)