(Do livro Poemas e Outras Artes dos Sentimentos, para os trabalhadores da Sadia-Concórdia)
Se erguem calados
antes que o Astro se levante
e mais cedo cruzam a cidade
como uma procissão silenciosa na madrugada
e antes que a luz pinte os vitrais milcoloridos das igrejas
se enfurnam na escuridão de fumaça e gelo
e das facas que vibram nas juntas moles dos porcos e das aves
no empacotamento de tripas metricamente servidas
e exclusivamente impermeabilizadas
e eternamente lustras
e sofisticadamente dedetizadas
se esticam numa volta ao mundo
e sem que eles vejam
o mundo se foi
se erguem calados mais uma vez
os braços extasiados
o corpo exaurido
as mentes atonitamente caquéticas
voltam de onde partiram
cortando a luz
que não tem fumaça e gelo
não tem mais graça tanta a dor
que o corpo esmaga
e sem que eles vejam
o mundo se foi
rumam rumo ao sono
porque dormem num respiro profundo
já que tanto ar faltou antes
e sonham com a madrugada que vem
e no sonho se erguem
cortando as ruas da cidade
e sem que vejam
o mundo se foi
todas as noites
sonham o mesmo sonho
e nele jamais vêem crianças no parque da praça