quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Manhã

Manhã de ruídos. O operário está sobre o madeirame do telhado da velha construção ao lado da minha janela. As marteladas impedirão a chuva de entrar. Agora não recita seus verbetes. Só os lembra depois que o sol se põe. Fala com deuses e homens. Fala de si para o Nada. Os carros ultrapassam o vento na Mauro Ramos. Dormiram acomodados em planejados compartimentos sob prédios e ao lado das casas. Na esquina, o viciado torra ao sol desta quinta-feira. Não consegue mais falar para dentro. Não encontra o caminho de casa. Então flutua, empurrado pelos ruídos da cidade. Moverá braços e pernas, como uma marionete,  quando os pardais revoarem sobre a frondosa árvore da Hercílio. Abrirá os olhos para observar a tristeza do operário que enlouquece ao anoitecer, o silêncio dos carros estacionados, as luzes acesas no empilhado de apartamentos do paredão, as multidões que se desfazem nas portas dos ônibus e cada um, entorpecido pelo trabalho, drogar-se com o sonho de uma vida diferente amanhã, modificada magicamente.

sábado, 1 de setembro de 2012

Fragmentos

Eram apenas fragmentos pendurados nas teias das horas. Foram alguma coisa: um copo, um líquido, um afinado engolir de ar; música, poema, um farfalhar. Eram fragmentos desconectados pendurados nas teias entumecidas. Quando a luz amarela da cidade entrou pelos buracos das janelas a aranha despencou. Ainda viu fragmentos amarelos voando em sua direção. Veio o sol. A faxineira espanou as poeiras dos cantos e com a pazinha ajuntou o resultado do seu trabalho. A aranha e os seus fragmentos espremeram-se entre um vidro de pepino e bilhete amassado.