Só eu ouvi do telhado, entre uma coruja escondida na toca e um morcego revoando, no silêncio dos grilos e gafanhotos, enquanto a saparia preparava-se no banhado, e a tuas mãos tentavam tocar a Lua do Pântano:
- O gato perdeu o pulo; o gato perdeu o pelo; desenrola novelo de linha; desenrola novelo da vida, e leva pro outro lado mais uma alma perdida. O gato perdeu o pulo; o gato perdeu o pelo; te esconjuro e esconjurado está; desta linha, alma sem calma, penada, quebrantada, você não vai passar.
E o gato perdeu o pulo. E o gato perdeu o pelo nas mãos enrugadas que sugam vidas.
Logo depois, mais alto, de uma árvore:
- Amarga num poço sem fundo e sem tampa; sem entrada e sem saída; nem pra cima, nem pra baixo. Sísifo. Sobe um e desce outro, remoendo a própria alma depois de acabar com unhas, dedos, pele e carne, escorregando no poço escuro, retornando sempre ao mesmo lugar. Desconcertante solidão, que pensa em destruir ao abraçar alguém que passa e lhe oferece algum presente, acaricia, suaviza a voz, entorna pequenas lágrimas dos olhos negros. Logo vai descendo mais um sorridente, entorpecido pelo vinho amábile. Mas logo que passa o efeito da palavra, do vinho e do tempo, foge rápido ou se afoga. E mais uma vez, sem entrada e sem saída, os dedos sem unhas cravados nas bordas pegajosas do poço, retorna ao castigo, escorregando e subindo, olhando o fundo e o alto, sem nada dentro. Sem nada dentro...
A coruja entocou-se. Sábia, não saberá. O morcego, preso a um fio elétrico, com o cheiro da morte:
- Não tem jeito! Não tem jeito!
O telhado repetiu, com a lua escondida nas nuvens e as tuas mãos cravadas nos olhos:
- O gato perdeu o pulo; o gato perdeu o pelo; o gato perdeu a altivez; o gato ficou sem rabo; o gato não era gato; o gato não era bicho; o gato não era gente; o gato não tinha nada: te esconjuro, alma penada.