terça-feira, 10 de março de 2015

A Morte do Pingo d'Água

Foi bem na aurora do dia, aquela hora mais fria, que ouvi o sapo cantar. Era tanta água caindo, tanta água escorrendo que no pátio deu pra nadar. Mas foi o primo do Oliveira, entregador de tomates e cebolas, quem fez meu cabelo arrepiar. Puxou adaga, pistola e machado e dentro dos pingos d'água um buraco começou a fuçar. Descarregou o tambor da pistola. Abriu brechas com o fio do machado. Mas foi com a arma mais curta, certeira e fina que o coração de um pingo foi encontrar. Com terror nos olhos, o assassino cutucou um pequeno cutuco e o pingo numa charla deitou-se a cantar e quanto mais entrava o punhal mais o pingo conversava com quem não estava lá. Foi falando e foi falando e quase um ano e tanto se passou. Só não houve mais tempo porque até o fim do cabo o punhal entrou. Foi bem na aurora daquele dia, a hora mais fria, de arrepiar, quando o bem-te-vi sequer pia e a coruja já não está, que a saparia danada pô-se a cantar. Desafinada. O punhal que furou o pingo também furou o ar, e o meu dedo, e diferente da gota d'água eu parei de cantar. Foi até o punhal danado dar uma volta e meia e a gota dilacerar, e escorrer pelo fino fio da navalha e também pela ponta do cabo, e os dedos do assassino molhar. Estrebuchado e despencando, o pingo de chuva se foi, mas foi sorrindo maroto com o feito que deixou. E eu, ferido no dedo, chorei pelo dedo ferido e pelo sangue que pingou. E você, de armas em punho, riu até cambalear, gritando a todo o universo o feito que marcou: com adaga traiçoeira o pingo d'água matou. E justo aquele que regaria o pé de feijão de Maria!